sábado, 1 de outubro de 2011

NESSAS ILHAS CHEIAS DE DISTÂNCIAS

Enquanto voltava pra casa agora de manhã me bateu um revival ao ouvir o Ave de Prata, de Elba Ramalho, no player do carro. Porque isso me reporta ao início dos anos 80 e naquela época eu estava vivendo uma fase que todo jovem sempre pensa em ter: tinha saído de casa pra fazer faculdade e ido morar em outra cidade.

Quando cheguei em Fortaleza o impacto cultural foi muito grande: meus primos tinham um visual californiano com parafina nos cabelos decorrente da prática do surfe nas águas verdes da Leste-Oeste e do Mucuripe. Logo nos primeiros dias depois de voltar da praia, um deles emendou uma jam do Genesis com Vou Danado pra Catente, de Alceu Valença. Aquilo foi um choque. Naquele momento minha relação com a música nordestina foi tomando outra dimensão, especificamente com a música emergente entre o Ceará e Pernambuco,  pois até então, vindo de uma região que não é Norte nem Nordeste, mas adequadamente conhecida como Meio-Norte, parecia não ter descoberto uma identidade musical apesar de sempre ter tido uma relação muito íntima com a música. 

Junto com esta metamorfose, tomei conhecimento da existência de uma tal de rádio FM que só tocava música o dia inteiro. Pra quem não sabe, logo que surgiram as FM's não eram comerciais e bregas como 95% das FM's de hoje. Elas tinham uma proposta de só tocar música com a mínima interferência do locutor ou comerciais, algo mais ou menos similar como acontece atualmente com os canais de áudio das tvs por assinatura. E havia uma efervescência musical acontecendo no Nordeste para tocar nestas rádios: os discos recém-lançados de Fagner (Revelação), Zé Ramalho (Avôhai), Elba Ramalho (Ave de Prata), Geraldo Azevedo (Bicho de Sete Cabeças), Belchior (Medo de Avião) e Ednardo (Enquanto Engoma a Calça), entre outras agitações como o Massafeira. E essas audições musicais se tornaram contínuas e meus primeiros acordes musicais na tentativa de aprender a tocar violão, aconteceram com estas músicas. Ainda bem que eu não forcei a barra, pois toco muito mal e ainda prefiro as versões originais do que as minhas interpretações acústicas.

Mas,  o mundo era uma sopa em ebulição e eu precisava dos seus ingredientes. Junto com a balada musical meus interesses culturais se interceptaram com leituras de Fernando Gabeira e Ferreira Gullar, justo quando ambos voltavam do exílio. Deste último, ilhéu como eu, mantive o Toda Poesia (1ª edição, capa dura) como livro de cabeceira e diário de bordo durante vários anos.

Em seguida, numa das visitas ao meu amigo Buana lá no seu cafofo no centro de Fortaleza, fui presenteado com diversas audições dos primeiros LP's do Barão, ainda com Cazuza, e sessões, depois passadas para uma fita cassete que eu ouvia no toca fitas da Toyota Bandeirante da empresa lá nos confins do sertão, do Emotional Rescue e do Tatoo You, dos Stones.

Mas aí é outra história.

2 comentários:

marcos assis disse...

que massa, jorge. não sabia desse seu background absurdamente interessante! um imenso privilégio.
o poema sujo foi meu livro de cabeceira durante toda a adolescência!
tenho muito a invejar, mas nada a reclamar. eu sinto que também vivo um momento muito importante, de intensa profusão cultural aqui em bh. mas acho que as pessoas só vão perceber isso daqui a uma ou duas décadas!

Jorge Jansen disse...

Beleza que vc gostou, Marcos. Sou positivo em dizer que existe uma fase da vida que você tem que explorar todos os sentidos, absorver o ambiente, conhecer as pessoas. É isso que lhe transforma para sempre.