Seu Adalberto adentra no cartório de registro tira o chapéu surrado da cabeça e cumprimenta o escrivão que está sentado quase dormindo sonolento numa cadeira velha de treliça poída.
-Dia's dotô iscrivão!
-Bom-dia seu Adalberto! Que é que trás o senhor por estas bandas?
-Quiria tirá rizistro do meu fio!
-Ah sim. Tô sabendo. O senhor foi pai de novo. Meus parabéns! É pra já!
O escrivão se levanta meio que preguiçoso da cadeira e arrastado numa coíra da molesta começa a remexer no meio da papelada em cima da mesa e abre gaveta pega caneta lápis enquanto pergunta a seu Adalberto como é o nome da criança.
-Ainstain.
O escrivão se vira arregalando as sobrancelhas e passa a vista no balcão como se estivesse procurando algo e diz:
-Onde?
-Onde o quê?
-Onde está o nome da criança? O senhor anotou num papel?
-Pra mode ocê tá priguntando isso?
-Seu Adalberto eu perguntei o nome da criança!
-E eu já disse sô!
-Não! O senhor disse: aí está! Está aonde?
-Num disse aí está, ocê se enganô!
-Ok, vamos começar de novo. Qual o nome da criança?
-Ainstain.
-Olha aí, você disse de novo!
-Disse o que dotô?
-Aí está! Está aonde?
-Dotô ieu disse Ainstain! Ainstain é que é o noume da criança.
-Ah! Tá bom. E como é que se escreve?
-Num sei!
-Como você vai batizar seu filho e não sabe como se escreve?
-Num sei. Pra mode isso que ieu vi aqui homi. Quem nhinscreve é o sinhô! Ieu só sô é o pai. .
-Mas era bom o senhor saber como escreve...De repente precisa pra alguma coisa...Uma consulta médica...
-Vira pra lá saboca lazarenta sô!
-É a necessidade...Criança, o senhor sabe...
-Sei não! Só sei que pruriquanto ieu só vô chamá o minimo pela boca: Ê Ainstain!!!. Num vó de pricizá iscrevê o noume dele...
-É, mas eu não tenho obrigação de saber escrever estes nomes estrambóticos!
-Óia só...Noume istrambólico é o seu! Istrambrólico e isquisito! He, he, he!
-Mas o senhor nem sabe meu nome!?
-O dotô num sabe meu noume? Cuma intão ieu num posso sabê do seu?
O escrivão não respondeu.
-Ah! lhe peguei dotô. É pra mode que seu noume tá na poita!
-Na porta?
-É dotô na poita! Tá iscrito lá Escrivão Jumentado. Num é o sinhô?
-Juramentado seu Adalberto!!! Escrivão Juramentado! E esse não é meu nome!
-Vixe e pra mode que o sinhô bota o noume dos outros na sua poita?
-Olha vamos pular esta parte. Se o senhor quiser registrar seu filho me diga como se escreve senão eu boto do jeito que eu entendi
-Mas o sinhô cabô de falá que num intendeu?
-Seu Adalberto vamos ser sensatos. Porque o amigo não coloca um nome mais fácil, mais brasileiro...
-Mas Ainstain é noume brasileiro!
-Que brasileiro o quê? O senhor sabe ao menos como se escreve Einstein?
-Num sei não. Só sei que é com A!
-Que A o quê...Eisntein se escreve com E! Einstein é o nome de um grande físico alemão.
-Grande coisa nascê na Alimanha. O meu nasceu foi no Codó! O meu se iscreve com A que é porque é brasileiro. O minino nasceu num foi aqui no Brasil?
-Foi!
-Num tô rizistrano ele num é no Brasil, num tô?
-É...
-Então? Se ele tivesse de nascê no istrangeiro o noume dele num era brasileiro mas pra mode ele nasceu no Brasil o noume dele num é istrangeiro. Num tô certo?
O escrivão deu de ombros.
-E outra coisa dotô: lá em casa os homi é tudo com A: eu, Aristota, Aristeu e Aristide. Só a muié que é com U. U de Untônia. Fica tiririca pro num ser igual a nóis! He, he, he!
-Seu Adalberto olha o senhor me desculpa mas eu não vou poder registrar seu filho...
-Dotô num se ofende um homi assim... E eu vim lá da bêra do Tapicuru inté aqui. É pra mais de uma légua. Pra mode que porque é que num pode tirar o rizistro da criança? Ié dinheiro? Ieu pago!!!
-Não se trata de dinheiro. É questão de princípios. Levando en conta que o senhor é meio analfabeto e...
-Mei não! Sói todinho! Todinho Adalberto! Fio de Adalgisa com Roberto, o Betinho dos Bagre!
-Olha o senhor me dê licença que tá na hora do almoço. Tô vendo que esta conversa não vai levar a nada. Vou ter de fechar... O senhor faz o seguinte: vai ali na quitanda do Zé Bixim, come um pastel, toma um suco, pensa melhor, pensa num nome mais fácil depois o senhor volta aqui e a gente faz o registro.
E foi levando seu Adalberto até a porta da rua que foi meio a contragosto e disse:
-Pense bem! Bote um nome comum. Senão esse garoto vai enfrentar problemas com um nome desse assim tão...diferente.
-Pobrema é o que o dotô tarrumando cumigo...
O caboclo foi pra rua e como se tivesse uma tramela engatada na goela se virou apontando o dedo calejado em direção da porta fechada do escrivão e começou a budejar:
-Seu dotôzinho Jumentado. Fio duma égua que é quieu não volto mais aqui não seu corno!
-Vá comer homem! Deixe de ser burro! Burro e analfabeto!
-Adalberto seu fresco! Meu nome é A D A L B E R T O! Aprende ao meno dizê meu noume dotôzinho duma figa. Que vem dizê que Ainstain é com E! Inda se passa de dotô... Caba burro!
-Vá comer seu broco!
-Pula aqui pra fora pra eu passá meu canivete Collin no meio do seu buxo pra vê se sai um A ou um E de dentro dessa barriga mole! Seu frouxo!
Como o escrivão não deu mais resposta, seu Adalberto passou a mão por cima da boca pra limpar o suor, deu uma cusparada no meio da poeira, girou nos calcanhares e saiu chutando terra enquanto atravessava a rua para pegar o jumento e repetindo numa ladainha:
-Ainstain, Ainstain, o noume do moleque vai cê é Ainstain com rizistro ou sem rizistro...
E pegou o jumento pelas rédeas e disse:
-E tu pára de empacar bixo ruim. Parece que tu é parente daquela peste. Vamô que vamô que agora quem vai te rizistrar soieu . Tu agora vai é se chamar é Iscrivão Jumentado. Ói! Num é que combina...É a mesma cara de lesado! Só farta o diproma de dotô. He, he, he!