domingo, 16 de maio de 2010

ARIDEZ

Lugarzinho fim de mundo este. Não tem nem vento que vento não gosta de lugar quente e abafado. Vento gosta é de tá correndo de surrupiar folha das árvores  de fazer remoinho de arribar saia de mulher bonita. E tem que ter alguém soprando buchechudo lá nos meio das nuvens. Anjo querubim serafim. Que é que vento é que nem gente só que a gente não vê.

Quase meidia. Lá vem Manfredo  puxando o jumento pelas rédeas. Depois que a mulher morreu ele fica por aí perambulando todo dia debaixo desse sol quente. Também dou até razão. Vai fazer o que mesmo em casa sozinho? Na rua pelo menos ele vê os conhecidos. Fica se entretendo. Ele tem  pena de montar no bicho mas é que o bicho é tão empacado que quando alguém monta nele o bicho fica parado não anda e como Manfredo é aperreado e  não gosta de vir sozinho na cidade traz o bicho pra fazer companhia. Antigamente ele vinha com Folgado um cachorro viralata mas o pobre coitado deu uma bicheira que tava deixando o couro dele todo em carne viva e Manfredo com pena não queria sacrificar o companheiro de andança mas como se fosse uma prece divina de São Benedito dos Pretos o miserável acabou sendo atropelado por uma destas vans que todo dia e toda hora vem da capital pro interior e não respeita ninguém e corre pelo meio das ruas e quando não atropela gente mata cachorro.

Fora essa falta de vento têm  os fuxicos. Vê aquelas duas conversando naquela meia-morada ali? Tão falando da vida alheia e eu boto minha mão no fogo se não tão falando da filha do Quincas da padaria. Tão olhando pra lá... Devem tá dizendo que a menina engordou muito depois que foi passar as férias na capital na casa dos primos. Devem tá achando que ela tá prenha. Êta povo falador! Se engorda tá buxuda se emagrece tá doente...Vá entender. Mas falta do que fazer é isso. Mente ociosa é oficina do capeta.

Eu fico pensando num lugar pra além das capoeiras onde o vento corre  casa adentro no meio das flores remoendo o cabelo das árvores beliscando a crosta das águas frias de um rio que nunca seca. Não este rio daqui que é só greta de lama seca e osso lambido de peixe morto. Mas não sei se esse lugar existe de verdade e se existe não sei onde fica. Talvez  qualquer dia desembeste a procurar  e eu chegue tão pertinho a ponto de sentir o cheiro d'água molhando a terra  e os cabelos de mãe-d'água que é um cheiro conhecido desde menino da beirada de riachos dos pés de juçara e buriti caindo no rio  fazendo ploft! atraindo as piabas, joão-duro,  os piaus e as carás.

Eu não sei desde quando estou aqui preso nesta vidinha onde nada acontece sob o sol desta terra neste lugar precário que tem me roubado as lembranças e há anos venho resistindo contra o calor e às velhas histórias empestadas de mormaços.

Eu queria ter coragem de escapar no rumo da rua lá pro fim da rua lá onde termina as casas e começa o mato seco que cresce no meio das pedras secas que levam no caminho de volta pra algum lugar.

Lugarzinho quente este. Meio dia e não se ouve nem um pio de ave. Que é que passarinho mora dessa tá num pé de pau na sombra na beira dum riacho fazendo ninho e passarinhada. Que é que passarinho não se mostra pra qualquer um só se mostra quando quer e não é bicho besta de ficar pegando sol na cabeça e ficar assobiando pra fazer graça pra qualquer um.

Cantiga nestas horas só o estalo do mato secando nos confins destas veredas.

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