domingo, 28 de novembro de 2010

MINHA QUASE-VIDA DE MARINHEIRO


Anos atrás quando aceitei trabalhar em Pinheiro, na Baixada Maranhense, sabia que atravessaria de ferryboat a baía de São Marcos, toda semana, num percurso de uma hora conforme a maré.

Durante o tempo que fiquei por lá, foram cerca de 400 travessias e da aflição inicial passei para o processo de aprender a caminhar na embarcação, cambaleante como os marujos fazem, desenvolvendo o equilíbrio marítimo ao compasso das ondas e depois de um tempo já me achava apto  para pilotar o ferry, atividade que nunca  me foi oferecida não sei por que razão.

Nesta 400 travessias aconteceu um único incidente. Porém inesquecível. Durante uma travessia noturna nos meses do BRO (outubro, novembro e dezembro) que é a época de empinar papagaio pois venta muito e o mar fica agitado, a tampa da frente da embarcação abriu e o ferry ficou de boca aberta parado no meio do mar e as ondas que batiam de frente molhavam dezenas de carros no convés inferior. Foi um corre-corre dentro da embarcação, todo mundo colocando coletes salva-vidas. Naquele dia tinha recebido meus ticktes alimentação que ainda eram de papel. Eu olhava praquele marzão escuro e pensava que daqui a pouco eu estaria ali boiando com o colete: Pqp! vai molhar todos os meus ticktes.

Daí me lembrei que no topo da balsa existiam uns botes e então procurei subir até lá onde encontrei mais umas quatro pessoas que já tinham tido a mesma ideia. Fizemos o pacto de que caso necessário a gente iria junto e dava um jeito de bater perna até uma ilhota próxima.

Neste ínterim aguardamos um salvamento. Primeiro apareceu um helicóptero sobrevoando a área mas depois deu meia volta e foi embora. Era de um canal de tv. Como ainda não tinha acontecido uma desgraça, não havia notícia. Também porque não tinha ninguém famoso na embarcação, nem um mísero deputado. Mas do males o menor, pois um amigo me disse que não gosta de viajar com ninguém famoso porque se houver um acidente ele morre como indigente.

Algumas embarcações passavam mas só buzinavam pra nós.  Depois de uma hora à deriva, a maré encheu mais um pouco e o comandante da barco consegui desencalhar o ferry e resolveu voltar ao porto por segurança, mas a embarcação só consegui chegar até cerca de 100 metros antes do cais, pois encalhou novamente. Horas depois, chegou outro ferry com os mergulhadores que iriam resgatar a tampa da embarcação do fundo do mar para poder fazer os reparos necessário. Quando falaram em mergulhadores eu imaginei aquela coisa de filme americano com máscara, tubo de oxigênio, pé de pato e os salva-vidas de Baywatch ( incluindo a Pamela Anderson ). Daí quando a equipe de mergulhadores saiu do barco foi hilário: era o fake dos fakes do jamais imaginado despreparo técnico de salva-vidas. Porém, da maneira mais rude possível eles conseguiram resgatar a tampa da embarcação e conseguimos realizar a travessia.

Depois fui a São Paulo e passei na marginal Tietê engarrafada com uns colegas da empresa e um deles, irritado, disse que pegava aquele engarrafamento toda manhã. Daí não perdi a chance de causar inveja no grupo quando disse que toda segunda de manhã eu ia de balsa para o serviço, sentado no convés sob um sol suave e admirando o mar e suas ilhas com uma nuvem de gaivotas acompanhando a embarcação.

Mas nunca esqueci da equipe cover de Baywatch que veio em nosso socorro: dois subnutridos e um baixinho atarrancado todos só de sunga velha, sem equipamento nenhum, mergulhando de apneia na água escura com ajuda do holofote da embarcação. Mas dos males o menor, pois estamos vivos pra contar a história.

2 comentários:

Antonio José Rodrigues disse...

Bem humorado texto, Jorge. Os tickets, a equipe heróica de resgate e o helicóptero ignorando o caso deixou a crõnica supervalorizada. Abraços

Jorge Jansen disse...

É meu caro, depois que passa a gente tem mais é que rir! Naquela noite vi neguinho rezando pra santo que eu nem sabia que existia.