quinta-feira, 23 de setembro de 2010

NINGUÉM ME AMA, NINGUÉM ME QUER


Dora era muito bonita quando criança. Sua mãe dizia que ela seria miss. Dora ria e desfilava pelo corredor da casa como as misses faziam no programa do Flávio Cavalcante. A mãe escondia os batons Colorama que Dora insistia em usar desajeitadamente cor sobre cor em borrões na sua boca infantil. Aos 16 anos Dora era o protótipo da linda mulher que se tornaria aos 20 despertando o interesse dos rapazes, causando ciúmes nos namorados e nas namoradas alheias. Dora adorava. Sentia-se diva. Aliás, autoproclamava-se D.D. Dora Diva. Ria. Divertia-se flertando com um e outro. Namorava. Desnamorava. namorava de novo. Depois desaparecia. Um dia na praia fez topless. Foi um escândalo. O pai soube. As mães de suas amigas proibiram-na de ir na casa delas. Mas Dora não se importava. Bastava-lhe caminhar um pouco nas ruas, mudar de escola e choviam-lhe pessoas interessadas na sua amizade, no seu sorriso. Naqueles olhos que pareciam brincar. Um dia percebeu que Helena fitava-lhe de modo estranho e às vezes até mordiscava os lábios como faziam os rapazes quando estavam excitados por ela. Depois quando Helena beijou-lhe a boca no banheiro da escola ficou sabendo que ela era mesmo sapatão. Mas não ligou. Helena beijava gostoso. Não com a pressa afoita dos garotos, mas lentamente apenas roçando os lábios procurando a textura da boca e depois lentamente a língua entre os dentes. Beijou Helena ainda umas duas vezes: uma no quintal da escola e outra na casa de Helena quando foram estudar para a prova de História. Mas depois percebeu que aquela não era sua praia. Gostava mesmo era dos rapazes. 

E com os rapazes se divertiu. Dos canalhas aos babacas, dizia. Uma vez quase casou com Alfredo que havia sido noivo de  Márcia, uma amiga sua. Que loucura. Márcia havia traído Alfredo  descaradamente e Dora o conheceu neste momento de fragilidade. O cara ficou de quatro por Dora. Entupiu-lhe de mimos & rosas, de brincos & brigas, de pérolas & porcos, de beijos & fodas, mas Dora cansou. Cansou da prisão sentimental  do amor seguro imaginando-se mulher-escrava de um homem só, dona de casa de bobs e avental comprados na Lobrás. Dispensou Alfredo e mais tarde Roberto. No mesmo barco partiram  Leandro, Maurício,  Luís XV, Luís XVI, XVII e toda corte da França e de São Luís do Maranhão.

E agora que o tempo passou e Dora  aos 50 ou 55 ( que ela não diz a idade pra ninguém nem morta ) não chama mais atenção de ninguém. Desapareceu o encanto que havia no início. Seus olhos perderam o brilho, a pele descorou, as rugas emergiram, o cabelo afinou, ficou ralo. Anda caindo lentamente toda noite quando dorme sozinha no quarto da antiga casa de sua mãe enquanto folheia velhos álbuns de fotografia a espera  de um telefonema, apenas um; de alguém que ainda guarde a vaga lembrança de antes. Por vezes, a esperança lhe escapa e vai atrás de antigas agendas amareladas a procura de telefones imaginários. Outras vezes, sobe-lhe algum lampejo que logo é esquecido enquanto caminha do quarto para a sala na hora da novela das sete porque aquela moça bonitinha que faz o papel principal parece muito com ela quando era novinha. E aí invade-lhe aquela ansiedade, que vem desde as sobrancelhas, de escutar Nora Ney num canto escuro da casa fumando um cigarro com uma dose de rum Montila. On the rocks.

Ninguém me ama, ninguém me quer/ninguém me chama de meu amor....

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